CRÔNICA DO INVERNO...
(Junho/2011)
Ah! O Inverno!
Finalmente esfriou, anunciando noites geladas, manhãs brancas e tardes que convidam para banhos de sol que ajudam a aquecer o corpo escondido sob as grossas camadas de roupas de lã.
Gaúcho que não gosta de inverno deveria mudar-se para outras terras, pois certamente deve ser infeliz de Maio a Setembro, pelo menos. Não gostar de inverno tendo nascido no Sul é no mínimo um contra-senso.
Afinal, é apenas nesta latitude que temos o privilégio de conviver com as quatro estações do ano de forma bem marcante, parecido com o que experimentam os irmãos do hemisfério Norte. E só nós podemos nos gabar dessa condição para nossos patrícios do resto do Brasil. Do Rio Grande ao Paraná – aliás, região povoada de gaúchos – somos brindados pela natureza com a possibilidade de experimentarmos o frio e o calor com todas as suas nuances. Só nós, sulistas, temos a chance de irmos da praia à neve em menos de 90 dias. Sim, porque em pleno mês de Março ainda estamos no litoral, para logo ali, no mês de Junho, estarmos curtindo temperaturas negativas.
Na verdade, a nostalgia que permeia as longas e geladas noites da estação me traz à tona recordações de infância, de uma época em que a vida rodava com vagar e se deixava curtir em seus detalhes, fazendo o pêndulo do tempo oscilar pesadamente e tolhendo-nos a percepção das horas e dos dias.
Inverno lembra fumaça saindo das chaminés de lareiras e fogões a lenha; lembra ambientes aconchegantes e rodas de chimarrão permeadas por intermináveis bate-papos sobre a vida e o viver; lembra goles de “graspa” prá “esquentar o couro” e pequenas núvens de vapor saindo de bocas e narizes arrocheados pela baixa temperatura.
Faz lembrar dos filós na vizinhança, do meu pai jogando cartas com os amigos e dos copos de vinho tinto sendo degustados entre punhados de pipoca e amendoim torrado; das fogueiras e festas de São João quando se vendia “cartucho”, quentão e pé-de-moleque.
Inverno lembra bergamota colhida no pé e degustada por entre as réstias de sol; lembra “chinelos-de-dedo” esmagando a geada crocante nas ruas barrentas da minha Paim Filho, lá em meados dos anos 70; lembra homens a cavalo com seus ponchos sebentos cobrindo os dois, debaixo da garoa fria .
O inverno me traz a nostalgia dos jogos de futebol no “campinho do Chuí”, por sobre a grama ressecada pela geada , e lembra dos foguinhos que ateávamos àquela grama para aquecer nossos pés enregelados nas tardes de Julho; lembra pinhão na brasa e meninas mergulhadas em cachecóis e blusões coloridos tricotados pelas próprias mães; lembra a “caixa-de-lenha” atrás do fogão – lugar mais disputado nas noites congelantes da estação. E poças d’água congeladas pela geada. Cerração. E até neve, vez por outra.
Eu tenho que assumir: sou apaixonado pelo inverno. Não que não curta o verão, que tem lá seus atrativos, mas fico contando os dias até a chegada da primeira massa de ar polar a cruzar as fronteiras da Argentina. E quando escuto a previsão do tempo anunciando a chegada do primeiro frio, já fico com outro astral. E então, quando o primeiro casaco é tirado do guarda-roupa e o primeiro cobertor é jogado sobre a cama, deixo-me levar pela nostalgia e permito ao meu cérebro que divague por entre as lembranças de momentos que nunca mais voltarão, mas que eu tive o privilégio de viver.
Mas, pensando bem...você aí, friorento, também não acha um privilégio ter nascido no sul ???
· Marco Antônio Schneider Arsego